O natal é frio por dentro e por fora.
Parece que as famílias se metem num casulo e ninguém que não seja parente ou, pelo menos aparentado( e é preciso que seja convidado), pode roçar nem que seja ao de leve nesse "ninho" que misteriosamente se reconstrói na noite da consoada. Às vezes convida-se aquela tia que aparece com as duas filhas uma casada e outra não e a que é casada traz o marido, um pouco contrariado. São feitos os cumprimentos (as primas já não se viam há tantos anos) e a tia continua chata como sempre fora mas é noite de natal, noite de condescendência e paz. O marido, esse não diz nada. A tia foi sempre quem vestiu as calças lá em casa, ele é um pau mandado.
Contaram-me um dia que, em certa aldeia ou cidade, numa casa espaçosa e abastada, um padre muito solitário porque os sobrinhos estavam longe e os irmãos já tinham partido para terras onde natal é todos os dias, exigiu a presença dos mais pobres da paróquia e juntou trinta pessoas à volta da mesa da consoada. À cabeceira ficou a prima pois quase todos os padres tinham consigo uma prima que era a senhora que dava ordens à empregada que lavava, passava, cozinhava e ainda tratava das couves no quintal. Das couves que ela tratou com carinho, pouco sobrou porque os comensais eram muitos. As batatas e o bacalhau foram comprados na mercearia e a prima escandalizara-se um pouco. Mas que seja pelo amor de Deus.
Também a empregada teve direito a sentar-se à mesa, coisa que a prima do padre nunca consentira. Um pouco afogueada, foi a última a sentar-se logo após ter depositado sobre a mesa as dez travessas do bacalhau com as batatas e as couves. O padre ajudara, partira o pão e dispusera-o um pouco desajeitadamente em vários cestinhos. Não faltou o queijo e umas garrafitas de vinho que os pedintes, envergonhados, recusavam, não fossem parecer atrevidos ou bêbados. Aos primeiros goles toda a gente ficou mais à vontade e a noite tornou-se tão quente que foi necessário levar o braseiro para a cozinha.
Aquele padre nunca tivera uma noite de consoada tão plena, tão inteira. E foi realmente feliz, como já não se lembrava.
Se o padre contou na missa o que aconteceu para dar o exemplo da caridade aos paroquianos?
Não! Há, mesmo na noite de Natal, aquelas pessoas cuja curiosidade é superior ao frio; encarrapitadas no exterior das vastas janelas, aninhadas no escuro da noite, presenciaram estupefactas o acontecimento.