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publicado por berenice, em 25.04.10 às 20:55link do post | favorito

 Como conduzo só na cidade e curtos arredores, às vezes dou por mim a pensar por que raio mando eu o carro à inspecção todos os anos e compro o selo que até é na mesma altura. Vai para nove anos e nunca a polícia me mandou parar. O seguro, enfim. Todos sabemos, é o que diz a tradição popular, morreu de velho. Pode acontecer um toque, um despiste, uma batidela daquelas que nos tiram o fôlego e, sem seguro, o caso é complicado. Pois bem: dentro desta panóplia de infracções "mentais", há uma que concretizo. Dentro da cidade, num percurso pequenino, não ponho cinto de segurança.

  Foi ontem: numa zona tranquila, numa rotunda, não lembraria ao diabo a brigada de trânsito ali especada. Parei, sem o cinto de segurança apertado. Ainda pensei fazê-lo quase em frente do polícia mas pareceu-me um pouco indigno de mim. Fiquei como estava e ainda tive tempo de pensar, numa tentativa de salvar a situação, que talvez devesse dizer que o desapertara ali. Pareceu-me infantil, idiota até, e não disse nada.

- A senhora não traz o cinto...a multa são cento e vinte euros...

- Senhor agente, não me diga que me vai autuar!

- Porquê? Acha que não tenho esse direito? interrogou cheio de "controlo de situação" ao mesmo tempo que verificava o carro.

- Senhor agente, o senhor tem todo o direito do mundo de fazer isso, mas eu venho dali do Continente e vou parar ali no Aldi...

E lá fui mostrando os documentos prontamente.

-  Então qual é a profissão da senhora? inquiriu ele.

- Sou Professora - respondi doce e sorridente.

- Professora de? Continuava ele sempre cheio de "estás nas minhas mãos".

- História da Arte.

- Ah, eu gostava muito de História - rematou ele de forma simpática a agitar suavemente o livrete do carro e a minha carta de condução.

Disse-me depois que "por hoje passa" e também me recomendou tirar os autocolantes e selos velhos do pára - brisas.

Agradeci-lhe muito, despedi-me cordialmente e pareceu-me que no sorriso dele havia um pensamento: "eu sou um bom menino".

O diabo é que eu não ia para o Aldi e o polícia a ver-me: já tinha feito as compras no Continente onde deixei uma pipa de massa. Mas entrei para o parque do Aldi. Ora deixa ver, pensei eu: tenho que demorar algum tempo e voltar com um saco. Vinho, é isso! Este vinho é óptimo. Ah! O café nunca é demais pois não se estraga. Olha ali! Umas caixas com lingerie!Um pijama de Verão, cor salmão, como eu gosto, de tecido acetinado, fresquinho, vem mesmo a calhar! Voltei feliz! Afinal, acabara de ganhar cento e vinte euros! E, meus amigos, sem cinto de segurança, - "jamais"- como disse o outro num dia menos feliz.

 

Meus queridos amigos e seguidores,

 

Um boa semana

 


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publicado por berenice, em 16.04.10 às 13:56link do post | favorito

Meu Deus, a terra treme em todo o seu corpo e há inundações e derrocadas e pessoas soterradas, submersas, em agonia e muita gente diz que são sinais dos tempos, maneira suave de dizer que o "mundo está para acabar."

  Quando eu era miúda, na minha ânsia de ler, devorava tudo o que me aparecia pela frente. Cansei do livro da 1ª classe e do da 2ª mas ainda me lembro de alguns excertos " A Maria da Várzea tem seis filhos..." a senhora Dona maria Arminda..." por aí fora. Ou então " A Canção da Cerejeira". Era linda.

 Na mesa de cabeceira do lado da minha mãe, havia uma Bíblia. O meu conceito de Bíblia, era o desvendar dos segredos da Criação, era a explicação para o mistério da vida e da morte. Li-a do princípio ao fim. Fiquei muito tempo no Nascimento de Cristo e sobretudo na sua Paixão. Nessa altura eu era uma beata em miniatura. O Apocalipse veio mais tarde. E não é que lá diz que o fim dos tempos será anunciado quando as catástrofes forem tantas e tão frequentes que muitos homens morrerão de angústia? Diz ainda que o fim dos tempos terá outros sinais. As famílias ficarão desestruturadas e os filhos levantar-se-ão contra os pais. Esqueceram de dizer que os professores começarão a ser enxovalhados e a apanhar uns tabefes. Mas se calhar, na altura, isso parecia inverosímel.

 Não estou a desvalorizar este grande e misterioso livro que é a Bíblia. Se ela é obra de Deus, Ele há-de perceber o que eu quero dizer. E caramba! Deve ser,  se não muito inteligente,  pelo menos medianamente inteligente. Este aparte deve-se ao facto de Ele nos ter  Criado e gostado da sua Obra sem prever a borrada que nós íamos fazer neste planeta abençoado. Mas, ao menos, deve ter um pouco de sentido de humor.

Ai, Deus! se ainda não morreste, se existes e estás no pleno uso das tuas faculdades, quebra o teu pesado silêncio e olha por nós que tanto sofremos.


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publicado por berenice, em 03.04.10 às 23:22link do post | favorito

Lembro-me vagamente que ele, o meu tio, tinha olhos azuis e era fanfarrão. Convivemos apenas na minha primeira infância e ele atirava-me ao ar fazendo com que eu soltasse gostosas gargalhadas de bebé.

 Cresci longe dele; só nos víamos de tempos a tempos. Paulatinamente, fomo-nos tornando estranhos.

Eu sentia que ele achava que eu estava a ser educada e tratada como uma pequena princesa e que a minha redoma jamais seria tocada pela dor e pela humilhação.

 Mas o meu tio tornou-se um estranho até para os filhos. Sofria de um mal muito doloroso: uma angústia profunda, uma depressão constante, uma revolta indomável. Começou a beber. Bebia cada vez mais, de manhã à noite. Tornou-se intratável e ele próprio não se podia suportar. A família pretendeu dar-lhe tratamento. Insistia e ele concordava mas quando chegava a hora da verdade isolava-se no fundo de si mesmo, num estranho mundo em que ninguém podia penetrar.

 Um dia, foi para longe. Procurou uma capital europeia onde pudesse beber e ser desgraçado à vontade porque para se ser infeliz também é preciso privacidade. Um dia, fui lá. Por interposta pessoa pedi-lhe que me viesse ver pois não sabia em que esconderijo se encontrava o meu tio. O mensageiro voltou a acenar que não com a cabeça.

 Passaram alguns anos, não muitos. Eu sabia, todos sabíamos que ele vivia na rua. Mas ninguém o conseguiu ajudar.

Se o meu tio soubesse como esta "princesinha" mimada e bafejada pela sorte o entendia, talvez quisesse ver uma última vez aquela para quem escolheu o nome. Era meu padrinho, é verdade. E o meu padrinho morreu só, numa rua qualquer de Paris, gasto pelo frio, pela fome, pela dor.

Para ele vai hoje a minha oração da noite.

 


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