Era uma vez um cão e o seu dono. E o cão falava como as pessoas mas também sabia ladrar. Melhor dizendo, ele só falava quando não havia ninguém por perto pois era inteligente e sabia que isso lhe ia causar sérios problemas.
Um certo dia bateu à porta a vizinha do rés -do - chão muito indignada:
- Ouça lá! - dizia ela para o dono do cão. O senhor não sabe que é proibido estender roupa, a pingar, na corda? Quer dar-se ao trabalho de ver como ficaram os tapetes que tenho a arejar no quintal?
O dono do cão era uma pessoa tímida, com horror a estas questiúnculas entre vizinhos. Mas, mal ia abrir a boca para falar lá vinha a vizinha:
- O senhor não é uma pessoa educada. Se não sabe viver em condomínio vá viver para uma tenda, no meio do mato.
Mas, nem de propósito, o cão tinha ido à varanda nessa manhã pois andava entusiasmado com uma miúda de pelo cor de fogo. E sentiu que do 3º andar caíam gotas de água grossas e frequentes sobre a sua cabeça. Olhou para cima e lá estavam, todas alinhadas, dezenas de meias de lã..
A vizinha desceu as escadas ainda a falar alto e a arrastar os chinelos enquanto o homem insultado ficava com a porta entreaberta até que a mulher recolhesse pois fazia questão de ser sempre educado. Contudo, esta situação deixou-o muito triste. Fechou a porta e quase tropeçou no cão que ficara atrás dele para o que desse e viesse.
- Tu viste-me esta?! disse para o cão tentando desvalorizar o sucedido. O cão pôs-se de pé e lambeu-lhe a cara para o consolar mas também ele estava incomodado. E foi aí que se colocou a este cão o primeiro dilema da sua vida. Ficou todo o dia deitado a um canto rebolando os olhitos. E cogitava assim: "Se vou à vizinha falar é pior para todos pois vão expulsar-me daqui com o meu dono sob o pretexto que ele tem em casa um animal possuído. Mas se não digo nada sou um cobarde porque deixo que o meu dono seja injustiçado. As meias são do 3º andar que diabo!"
No outro dia, no mesmo andar, apareceram cuecas a enxugar.
E era o mesmo gotejar, pois que as ditas eram grossas e tinham sido mal torcidas.
O cão foi chamar o dono e ladrava para lhe chamar a atenção para a água que quase corria em fio. E a vizinha lá estava em baixo a olhar para cima com uma careta.
Depois do almoço a campainha tocou: era a vizinha.
- Eu não tenho palavras para lhe pedir desculpas, vizinho - dizia quase a chorar.
- Deixe isso, não tem importância - respondia desajeitadamente o dono do cão.
E o cão pensava que o dono, às vezes, era mesmo um banana. Foi então que lhe passou um espécie de nuvem negra pela cabeça e desatou a ladrar à mulher, furioso.A situação ficou complicada, a vizinha desceu as escadas escorraçada, o homem não pode deixar de sorrir. O cão precisava desabafar. Enroscou-se na sua cama, certificou-se que o dono não estava por perto e chamou à vizinha todos os nomes maus que aprendera. Entusiamado ainda soltou um "cabra" alto de mais o que o deixou em sobressalto.