Havia uma cumplicidade grande entre mim e a minha avó materna. Lembro-me dela todos os dias e, quando ela começou a trilhar pelo caminho dos setenta e muitos anos, comecei a ter medo de a perder. Às vezes surprendia-a só, na penumbra, a olhar através da janela a paisagem já sem contornos. Apercebi-me depois que o que ela observava era o seu interior, o seu passado. A paisagem era apenas o pano de fundo.
Gostava particularmente de andar com ela pelos campos. Quando chegava o tempo de fazer o presépio íamos por esses montes fora procurar musgo. Com um sacho e alguma habilidade conseguíamos descolar bocadões grandes. Enquanto isso, eu ia perguntando sobre o nome das ervas e os seus efeitos curativos, já que esta área sempre me interessou pois considero que a Natureza oferece a cura para todos os males. Contudo, não perguntei tudo o que devia. Talvez porque a minha avó era pessoa de poucas palavras, talvez porque muitas perguntas quebravam o encanto destes momentos únicos. Assim, aprendi apenas o mínimo: os efeitos do chá de poejos ou da infusão das malvas bravas. O património que ela me deixou, mesmo assim, apresenta um valor que não tem equivalente em bens materiais. Trago ainda na alma o aroma da terra fresca que a avó esboroava com perícia avaliando as suas potencialidades. Havia terra vermelha e terra branca. Da branca só me lembro que produzia trigo que no Verão, de saturado, pedia para ser colhido. E a terra abria fendas, morta de calor e de sede. No caminho para esse pedaço de terra, o do trigo, havia tufos de lírios roxos que eu admirava extasiada: era a cor, o acetinado das folhas, a macieza das pétalas o aroma inconfundível. Mas logo a seguir me sentia atraída por uma enorme alecrineira à qual eu furtava raminhos partidos com suavidade. E assim fui preenchendo a minha infância com maravilhas da Criação, maravilhas essas que ainda hoje são como fortes mastros a que me agarro em momentos de tempestade.