Minha mãe queixava-se da monotonia do serviço da casa e com frequência ouvia o seu desabafo "que cansada me sinto" ou então, "ainda hoje não me sentei um bocadinho".
Quando os homens ouviam da parte de suas mulheres este tipo de comentários sorriam condescendentes e perguntavam: "O que é que fizeste para te cansares assim?!" Às vezes elas lembravam que só as refeições levavam metade do dia tendo em conta que era necessário comprar os alimentos, cozinhá-los, lavar a louça a seguir e mais o fogão. Depois do almoço vinham mais duas ou três horitas e toca a pensar na refeição seguinte. Os intervalos entre as refeições eram aproveitados para varrer, passar a ferro, coser meias (até há pouco tempo davam-se pontinhos nas meias embora nos tempos que correm as empregadas domésticas as dobrem muito bem dobradinhas com buracos no lugar dos dedos).
Chegou a um certo ponto que estas donas de casa, que quando iam tratar do BI no Registo Civil se designarvam domésticas, desistiram de falar da aridez das suas funções, do novelo interminável que era a sua vida. Passaram à actuação e saíram de casa para trabalhar. Não foi iniciativa nem mérito individual: em todas as épocas as vanguardistas fizeram ouvir o seu grito criando um terreno favorável. Eu diria que foi o fluir da História porque acredito que há um plano traçado e que, a essa estrutura, a humanidade não pode escapar.
Actualmente trabalhamos e lutamos pelo reconhecimento das nossas capaciddes. Criámos um forte compromisso com a profissão muitas vezes difícil de conciliar com o compromisso da maternidade. O que nos vale, é que eles ajudam: levam os filhos, pela manhã, à Escola e às vezes vão buscá-los; ao sábdo de manhã, se se pedir com jeitinho, vão comprar um peixe para cozer (que ao menos ao fim-de-semana se tenha na mesa comida saudável) e aparecem em casa com o orgulho de quem pescou; esqueceram-se de umas coisinhas verdes para que o prato fique de acordo com a roda dos alimentos mas ela vai num instante ao mini-mercado da esquina e desenrasca uns bróculos. Ele também trouxe bifes que, por acaso não são bifes, são medalhões e não dão para grelhar.
Na louça não ajuda: "mete na máquina, para que a queres?" Então ela deita os restos para o lixo, limpa os pratos com os guardanapos usados, lava os copos que já não são muitos e podem fazer falta assim como o tacho onde cozeu o peixe.Como este processo demora um pouco ele fica impaciente porque gosta de tomar café logo a seguir à refeição e ainda vão tomar café juntos, afinal estão casados há menos de 10 anos. Ela pede-lhe para esperar um pouco e parece uma tonta a correr de um lado para o outro à procura do batôn e do creme das mãos.Mas oh fatalidade! A máquina da roupa acabou de lavar e não centrifugou; escorre água, por debaixo dela, cheia de sabão. Ele vai tomar café sòzinho enquanto ela fica a apanhar a água com uma esfregona. Volta uma hora depois e ela já chorou, arreliada, e agora anda a aspirar com uma energia que é raiva. Precisa de lavar o cabelo, não está bonito ,mas ao sábado não lhe dá muito jeito porque ao fazer as limpezas transpira. Ao fim da tarde tratará disso.Ele atreve-se a fazer um reparo: estás muito bonita com esses olhos chorosos e esse cabelo em desalinho....Ela passa-se e vai ao cabeleireiro, sem marcação, mas num sábado à tade há sempre muita gente e ainda por cima o dia está soalheiro e apetece. Sai tarde do cabeleireiro e ainda vai comprar os bifes ao supermercado onde também está muita gente e o raio do tempo a passar e o jantar por fazer. Chega a casa e ele diz-lhe que gostava de ir ao cinema, que se despache e ao mesmo tempo que faz o convite vai mordiscando o jornal que comprara de manhã. Não, desta vez ela não o pode deixar ir só e ainda por cima o cabelo ficou lindo. Faz o jantar à pressa, fica ansiosa, um sábado inteiro e não relaxou um pouco. No cinema, já sentada na cadeira, o filme prestes a começar, não consegue deixar de pensar que precisa ver duas turmas de testes, tem mesmo que ver no dia seguinte, e ainda não fez as compras para a semana; se lhe pede a ele, vem tudo trocado e mais caro, enfim, um desgoverno. No intervalo fala-lhe desta preocupação ao que ele responde"nem no fim de semana?!" Ela sabe que não devia ter dito nada, ele vai-se aborrecendo aos poucos, assim. Ela, não.