Sempre gostei dos meus momentos numa casa sem gente. Obviamente, prefiro que sejam apenas momentos pois, é assim, que posso entender melhor a energia que as pessoas deixam nas coisas, ou seja, a sua alma. Numa casa sem gente há um silêncio que se anuncia pleno de vida: é um silêncio que não chega a sê-lo porque um conjunto de pequenos, quase imperceptíveis ruídos povoam um espaço e um tempo que nos envolve. Não sabemos se é o frigorífico que zumbe e se impõe ou se é antes o relógio com o seu tic tac ou se o vazio, por si só, tem uma voz. Pessoalmente, não acredito no vazio.
Quando eu era menina ia com frequência visitar a minha avó. Às vezes encontrava a porta aberta e ela não estava o que queria dizer que andava por muito perto e então eu chamava pondo as mãos em funil: "Veliiiiiii..." E a sua figura incontornável aparecia. Quando a porta estava fechada coma chave na fechadura queria dizer que ela estava um pouco mais longe: aí, eu dava a volta à enorme chave e esperava. Nessas situações aproveitava o conforto que é sentir a alma das coisas.
Ontem, pela madrugada, senti isso mas de uma forma dolorosa como se as coisas não tivessem uma canção mas um gemido. Não foi previsão do sismo, não tenho esse poder, foi apenas uma certa forma de sentir que me acontece muitas vezes. O sismo aconteceu pela 1 hora e 37 minutos, forte e implacável. Fiquei à espera que as paredes me caíssem em cima e a minha cabeça esvaziou-se de tudo. Não caíram. Se assim fosse eu não estaria aqui, naturalmente. A seguir, senti uma grande calma como se a Natureza tivesse vindo ao encontro de todas as pessoas para lhes lembrar que também ela sofre das suas agonias e que somos, com os nossos afazeres e as nossas mesquinhices, muito pequeninos.